quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O cavaleiro está de pé. O peso das vestimentas aumenta, couro, trançados de ferro, e o sol a pingar suor em sua testa. É meio-dia e o dia é claro. Não há nuvens no céu azul, mas a sua cabeça é apenas dúvida. Cinza. Seu vassalo continua o ritual - já mais decorado do que resposta de call center - com um olhar ao longe: observa sua menina, tímida nas arquibancadas de madeira arqueada. E parece que apenas ela torce pelo final-sem-sangue da batalha do senhor de seu amado, nobre cavaleiro.
Cada camada de ferro que se sobrepõe à armadura rija do inimigo é ouvida do lado de cá. Um som com o peso da morte. Agudo como o raspar da lâmina no ar, que rasga os céus, espada afiada e rodopiante. Espada segura da vitória certa, com o vermelho que se faz necessário.
Muitos são os torcedores do cavaleiro de lá. Mais bem preparado, mais bem acolhido e amado; coberto de glórias e promessas de uma cama quente recheada com o vermelho-sexo que respinga dos olhos claros da princesa atenta. Já torcendo pelo outro nobre senhor e seu cavalo amarelo-lânguido, apenas a rapariga pobre. Ela não grita. Quiçá fala. E se seus lábios se mexem, é fotografia-em-nervos de sua agonia que a faz levitar.

O sol ainda castiga, inclemente, o campo verde deste reino. O campo de batalha colorido respira expectativa. Os gritos eufóricos do povo que chega com suas canecas emudece os pássaros no entorno. Tudo é festa.

Quase tudo.

As flâmulas e estandartes são as únicas peças que percebem que nem sempre o desfecho é bom pra todos. E por isso não se agitam. Permanecem caídas, um choro-em-pano, mesmo quando um vento tímido provoca suas inércias. O vento sopra. Bufa. As flâmulas e os estandartes permanecem impassíveis. Não movem um único fio. O som de todo ambiente cavalga em um crescendo de intensidade, o vento aumenta suas patadas duras e se enrola em cada objeto, cada ser ali presente. Os panos, imexíveis. Pessoas começam a se movimentar e por fim a correr, buscar apenas abrigo. Em meio ao corre-corre, uma flâmula olha para os céus, se movendo por vontade própria, ignorando ainda o poder arrasador daquilo que já era tempestade. Pois assim, desse jeito, despreocupada com a tormenta, a flâmula vira testemunha solitária do vôo solene que executa a moça pobre em direção aos céus. Em direção aos céus.

sábado, 4 de outubro de 2008

Tentei costurar nossas palavras em nuvem branca.

Houve um tempo, me lembro, que se usava linha pra isso.

Acertar o ponto, dar certinho o nó...

Yesterday, my love, sentei só numa pedra;

Nosas vidas, nosso fio, m'enrolei em tua força

A esperar sereno o calor da manhã.

Haverá um dia em que nossos netos... nossos netos...


:)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Gosto de falar da chuva. Talvez por ela n conter a soberba a priori, como acontece com o ser humano.

Gosto de falar da chuva. Talvez pela força [quando falo de chuva é chuva de verdade, quando os pingos engolem maçãs] do conjunto, talvez pela singularidade de cada gota-em-cristal que se arremessa em cheio sem ficar cheia de dedos, especulando, refugando.

Gosto de falar de chuva. Talvez por gostar demais de andar por aí debaixo dela, ouvindo seu som a bater nas superfícies, ouvindo os passos apressados dos seres de manteiga que dela se escondem.

Gosto de falar de chuva. De sentir. E de estar.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Se uma criança chora, a gente procura dar conforto. Abraçar. Mas e se o choro vem de dentro? Como abraçar a si mesmo, confortar o interior próprio? Se o espinho fura a pele de dentro pra fora, minhas mãos, inócuas, meus dedos formigam desespero inoperante. É como se rasgasse assim, lentamente, de dentro pra fora. como amplificar o desespero mudo, que se resolve em uma gota que despenca e cai. Vermelha. 'Ein Deutsches Requiem' de Brahms na vitrola. Atemporal. Inesgotavelmente forte como eu deveria ter sido. Engraçado como a música que celebra a morte é linda e viva. Forte. E se ela decompõe-se em vozes musicais muito bem regadas com doçura, então minha morte será também assim: mais doce e tenra do que o espinho que reverbera angústia dentro de mim.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Espinhos. Frio. Urtiga. Desníveis. Picadas. Calor. Feridas. Andei por dias dentro da floresta espessa e escura, até que raios de sol fossem mais do que simples miragem [surgindo como espadas que cravam no solo e nas folhas verdes sua lâmina dourada e impiedosa].

Minha pupila se ajusta aos novos níveis de luz.

Agora, aqui, é latente a gama de verdes e formas e tudo com que a natureza me banha.

Sento e enfim respiro na clareira que me é dada.


[contemplar.]



[mais.]




Quando tudo parecia verde e marrom, obra-Natureza, um brilho me cega. Um portão imponente de barras verticais em cobre e colosso se impõe solene à minha frente, adornado em esquecimento mas incrustado de História intemporal, em um Tempo bergsoniano*. Sem nenhum vigia, sem presença humana detectável, sem cadeado na sua entrada. Basta vencer sua inércia e ultrapassar suas linhas.

Às vezes a verdadeira barreira a se vencer não está fora da gente, e sim dentro. Algo em mim não me deixava ir, ao mesmo tempo que uma força sutil [como um pequeno demônio ao pé da orelha] me crispava de ímpeto - cada vez mais - para transpor aquele limite-em-cobre. Simplesmente adentrar.

Minhas forças, escassas. Minha esperança era o que me sobrava de mais forte. Peguei-a e docemente a enrolei em um caule fino de uma margarida com um pedaço de raiz verde (arrancada por ali mesmo, naquele momento). Mal se via a flor escolhida, escondida que estava entre tufos de uma planta-parasita espinhenta.

Despido de minhas esperanças, entrando não sei porquê, simplesmente meu corpo rumava empurrado pelo sol.

Assim, os portões do Inferno ficaram para trás.




... e o encanto** (também verde) se enrosca, aguniado, no caule fino daquela margarida comum - tendo o sol, e apenas ele, como testemunha.











[texto livre inspirado na frase "Vós que aqui entrais, deixai la fora todas as esperanças - Dante." lida no blog Devaneios Desvairados, de Jéssica Amâncio. (brigado, Jé! :)

pra exclarecer: nunca li o livro (espero um dia, com calma, poder corrigir isso), simplesmente a frase me sugeriu essa passagem.



* Em Bergson, o presente coexiste com o passado e o futuro. Cabe à memória distinguir os eventos separadamente. O Tempo é uno.

** "A idéia do futuro, prenhe de uma infinidade de possíveis, é pois mais fecunda do que o próprio futuro, e é por isso que há mais encanto na esperança do que na posse, no sonho do que na realidade." Fonte: Ensaio sobre os dados imediatos da consciência", de Henri Bergson.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Viver é sentir o vento
batendo no peito nu
numa noite fresca depois de chuva forte.

Viver é sentir o pianar
das gotas de chuva
que dedilham percussão de som seco
em noite molhada de verão que se antecipa.

Viver é tentar entender a nossa pequeneza
frente à imensidão de cada estrela-pontinho-no-céu,
[mesmo que agora as nuvens tomem conta do mundo acima de nossas cabeças]

Olhar pra fora e sentir aqui dentro é viver.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Acredito em átomos?

Naqueles serezinhos redondos e simpáticos, quase bonachões,
que cismam em orbitar por aí?


Acredito em árvores. E no vento - no minuano, ainda mais!

Dar crédito é construir - é compor e viver dentro de sua composição,
seja ela harmônica ou não.


Acredito em Manoel, que de Barros tira poesia.
aprendi a nadar nelas, nestas,
e é um santo remédio!

Santa poesia, acredito em algo mais?

Ao gosto dos Anjos, vomitei sangue coalhado
quando afirmaram que o Homem é bom.
Sim, claro... a sociedade que o corrompe. Mas que é a sociedade?

Por isso acredito que o Universo está em sua fase de contração. Tudo se aglutina. Contrariando as mais novas aceitações astronômicas, quero que seja ao contrário: nada de expansão, o Universo se contrai. Pq assim, rezo ao meu jeito pela comunhão. Cósmica. Se o Universo se contrai, tudo cada vez mais se aproxima, é como se tudo-todos fossem pra dentro da mesma ínfima gaveta (de volume tão ridiculamente pequeno que não se dá medida). É como se no final de tudo riscássemos do mapa as dimensões, apagássemos do dicionário o verbete "espaço" e o Tempo reinasse soberano.



[até que um sopro inicie o que, bilhões de anos mais tarde, será chamado de Big Bang...]